
A presumível possibilidade de algo acontecer ou não, na medida em que afeta de alguma forma determinado indivíduo, pode não ser passível de controle por parte de quem está sujeito a esta ambivalência. Não se trata, portanto, de uma qualidade intrínseca desse mesmo sujeito, poderá exprimir antes uma condição, a saber uma sujeição involuntária a factores alheios à sua vontade. No entanto, existe a possibilidade de o indivíduo não estar sujeito a este condicionalismo pelo menos parcialmente e de alguma forma a sua atuação poder ter maior ou menor impacto no desfecho em questão. Sendo ou não consciente da sua condição, ela de alguma forma condiciona, a sua existência e atuação. Talvez este raciocínio possa ser contestado, o que irei tentar fazer de seguida, talvez até nem faça sentido colocar a questão desta forma. Será que existe mesmo algo para controlar?
Como poderíamos então definir este conceito dual, possibilidade versus impossibilidade? São o oposto, responderíamos se nos perguntassem. Tentando definir, possível com probabilidade de acontecer, impossível sem qualquer probabilidade de acontecer. Segundo uma perspetiva Aristotélica, talvez não pudéssemos afirmar o mesmo e isto porque segundo a metafísica de Aristóteles, para que alguma ação ou acontecimento se possa concretizar, há necessidade de que essa ação ou acontecimento exista em potência. E então em que consiste esta qualidade intrínseca à ação ou acontecimento? Podemos tomar como exemplo uma rocha, poderá uma rocha germinar e dar origem a uma planta? Sabemos que isso é impossível e por isso não existe esta possibilidade em potência na rocha e da mesma forma muitas outras coisas que gostaríamos que acontecessem, podem não existir em potência.
Todos nós em algum momento já nos deparamos com inesperada situação, em que fomos colocados perante o desejo da concretização de determinado acontecimento e nos questionamos por um lado se deveríamos tomar alguma iniciativa no sentido de forçar esse acontecimento, ou se pelo contrário deveríamos permitir que o desenrolar dos acontecimentos fizesse nossa vontade e não tivéssemos necessidade de intervir, na medida em que isso poderia por alguma razão, ter as suas desvantagens ou porque achamos que a nossa intervenção não aumentaria as probabilidades de sucesso.
Atentemos para algo muito óbvio, a possibilidade vive da impossibilidade, ou seja, se a impossibilidade de acontecer dada ocorrência, for factual, a possibilidade cessa a sua existência e vice-versa. Será interessante estabelecer aqui um paralelismo com a teoria do Yin-Yang, teoria na qual Yin e Yang, representam as polaridades de um mesmo conceito ou realidade. Se por exemplo falamos de calor ou frio estaremos em qualquer um dos casos a falar de temperatura e na realidade o que acontece e aquilo que nós percecionamos é que de facto não existe a possibilidade de não existir temperatura, simplesmente se ela está mais elevada chamamos-lhe calor se mais baixa chamamos-lhe frio. Já esta dualidade ambivalente, possível versus impossível, se reveste de naturezas distintas, sendo cada uma delas o inverso da outra. Só tem significado quando não acontecem, quando o desfecho considerado por exemplo impossível acontece, aniquila o outro, isto é, afinal aquela condição não existia. Só existe no mundo das ideias, das hipóteses das conjeturas. Dependem uma da outra para existirem no mundo das ideias, mas ao mesmo tempo aniquilam-se, isto é, quando uma delas passa de uma projeção para a realidade anulam o seu oposto. São incompatíveis, ou uma ou outra. Isto parece ser algo de contraditório, como algo conceptualmente real, pode ser anulado pelo seu oposto?
Será que a possibilidade versus impossibilidade é um conceito sui-generis, ou poderá ser outra coisa qualquer?
Repare-se que este conceito resulta de uma capacidade de previsão baseada na experiência e do facto de os acontecimentos se realizarem no tempo, isto é não serem estáticos. Também é uma verdade que somos completamente indiferentes quanto às reais probabilidades da maior parte dos acontecimentos se darem, o que significa que também somos alheios à sua importância relativa. Imaginemos alguém inteiramente desinteressado por si e por tudo o que o rodeia. Este indivíduo provavelmente estará completamente alheio a usar esta forma de viver a realidade.
E porque digo forma de viver a realidade? Porque não é mais do que isso.
As coisas são o que são e sempre serão o que são e nada mais do que isso. Por que razão temos nós que pensar que isto ou aquilo é possível ou impossível de acontecer, por que razão queremos tanto controlar os acontecimentos? Ao recriarmos uma hipotética realidade à nossa maneira, o conceito de probabilidade surge como forma de ludibriar a nossa incapacidade de controlar seja o que for, o que nos pode incomodar de sobremaneira. Se pelo contrário, compreendermos o devir como algo que é simplesmente igual a si próprio, compreenderemos o significado de tranquilidade. A probabilidade é necessária num contexto de previsibilidade científica, onde pode adquirir o sentido de uma necessidade. No entanto esta é uma realidade segmentada, que adquire uma significação para si própria, porque a realidade da vida é outra bem mais complexa. A filosofia estoica e um dos seus preceitos básicos, postula que não devemos preocupar-nos com aquilo que não podemos controlar e ao invés disso, devemos preocupar-nos apenas connosco enquanto agentes da nossa transformação, esta sim uma realidade que podemos controlar. Esta forma de estar, faz bem mais sentido, porque nos coloca no único lugar que nos pertence. Caso contrário construímos para nós mesmos uma espécie de matrix, onde nos sentimos como que encurralados na busca por uma verdade ou uma realidade que não existe.
De qualquer forma, não quero entrar no determinismo, até porque o determinismo só faz sentido dentro da ambivalência de que falamos, eu atrevo-me a dizer que sob determinada perspetiva, não há possível nem impossível, existe apenas o devir e aquilo que acontece, o que não acontece simplesmente não existe, se trata apenas de uma construção mental. Esta é a grande consequência do ato de erguer o conceito de probabilidade que é o facto de atribuir existência a algo que pode não existir. Quando projecto algo estou a ludibriar o sentido do devir que é a única verdade em movimento.
Isto pode soar a fatalismo, mas não é para aí que quero ir. Pretendo apenas dizer que há que buscar a tranquilidade, viver cada instante com satisfação, gozo não caindo na armadilha de viver sempre no futuro, ou no passado que são as forma de anti vida mais comuns.
Mas será que de alguma forma posso ter controle sobre os acontecimentos da minha vida? Perante o que foi dito anteriormente, parece uma pergunta que carece de sentido, mas talvez não! Responderia que sim e como? Controlando o presente. E em que consiste controlar o presente? Consiste em procurar a autenticidade. A autenticidade é o barómetro que permite conciliar todos os aspectos da vida de uma forma harmoniosa e impedir que “dissonâncias” se manifestem. A autenticidade precisa de se rodear de autenticidade para não desbotar. Antes que nos passem os tons da inverdade devemos nós propagar as cores da autenticidade até como forma de proteção. Mas então o que quer dizer esta palavra – autenticidade? Recorrendo à filosofia estoica fica mais fácil definir autenticidade. Segundo esta filosofia o objetivo que todos no nosso íntimo temos, é o de viver uma vida supremamente feliz e fluída, o que implica estar bem consigo próprio ou com o que poderíamos chamar de nosso eu superior e isso só se torna possível vivendo cada um a cada momento, a expressão do seu eu superior, ou seja encurtar a distância entre aquilo que somos capazes de fazer e aquilo que estamos realmente a fazer. Por outras palavras, sermos a melhor versão de nós próprios a cada momento, usar a razão e viver em harmonia com nossos valores mais profundos. Por outro lado, aceitarmos tudo aquilo que não podemos reverter e focarmo-nos apenas naquilo que podemos controlar, tudo aquilo que está para além do nosso alcance não é importante para nós, apenas nos interessa aquilo que podemos alcançar. Só desta forma é possível termos controle sobre a nossa vida e assumirmos a responsabilidade sobre ela. Assim o bom e o mau, vem apenas de mim próprio, na medida em que posso escolher a forma como reajo a cada acontecimento externo, percebendo que não são as vicissitudes da nossa vida que nos fazem felizes ou infelizes, mas a interpretação que delas fazemos.
Acontece que nesta tentativa de sentir o controle dos acontecimentos, muitas vezes a leitura da realidade se torna ilegível. Em primeiro lugar é preciso dizer que esta ilegibilidade resulta do facto de não conseguirmos interpretar e atribuir um sentido baseado na forma como fomos configurados através da educação que recebemos e das vivências por que passamos. Por vezes as leituras que fazemos são decepcionantes, outras vezes não. E por outro lado, (como o dito popular “cada cabeça cada sentença) se existem “configurações parecidas” iguais não existem.
Há, no entanto, alguma legibilidade na ilegibilidade que pode ser levada a efeito, embora eu pessoalmente pense que as ilegibilidades devem ficar consigo próprias, porque elas sempre resultam ou de falhas de comunicação onde os significantes podem não receber os mesmos significados ou então do desconhecimento de factos relevantes. Há ainda outro problema que em algumas ocasiões pode acontecer, que é o de tentarmos construir significantes cujo significado permite acolher a realidade à nossa maneira, o que desvirtua ainda mais a construção de uma realidade objectiva que pretendemos para nossa sobrevivência psicológica.

Bom, mas para onde quero levar o meu raciocínio? Para a simplicidade, como por vezes costumamos dizer “há que não complicar”. As coisas são o que são, mas também de certa forma aquilo que nós queremos que elas sejam, em última instância nós somos os construtores da nossa verdade, que é um atributo do ser moral.
Oportunamente voltaremos a esta temática e de procuraremos continuar a trazer clarividência a este assunto!